Designer, arquiteto, pai, pescador e surfista. É a assim que muitos definem Carlos Motta, já o próprio Carlos prefere não ter definições específicas, o designer se considera uma mistura de todas essas características. Dono de um design único, o criador na poltrona Astúria define seu processo criativo como intuitivo. Em um papo com o Blog AZ em um dos ambientes da Armazém da Decoração, Carlos Motta falou um pouco mais sobre seu trabalho, sua vida e os rumos do design nacional.
Quais são as filosofias que movem o seu trabalho?
Estava conversando com algumas pessoas aqui e alguém me perguntou sobre o Salão de Milão e eu me lembrei que a última vez que fui ao Salão de Milão foi em 1981, porque de alguma maneira eu perdi um pouco o interesse. Claro que se eu for lá vou ficar deslumbrado de ver todas as coisas que estão acontecendo, mas eu não tenho a atitude de ir até lá porque não é esse o meu vínculo com o design. A minha história com o design é muito intuitiva, mesmo eu tendo me formado em arquitetura. O design, a arquitetura, meus filhos, minha mulher, minha alimentação, o surf, a maneira que está tudo ligado… É tudo junto. Eu não saio da praia e termina ali o surfista, chego em casa e me transformo em marido e pai ou vou para o atelier e viro arquiteto ou empresário. Todas essas coisas estão presentes o tempo todo na minha vida e me ajudam no processo criativo. O trabalho de design não é um trabalho intelectualizado, é um trabalho intuitivo e muito em cima desses valores.
Você tem um vínculo forte com a marcenaria, assim como a Butzke. Foi isso que uniu o trabalho de vocês?
Isso foi uma das coisas que uniu o nosso trabalho, mas o que mais nos uniu mesmo, independente do respeito e da paixão pela marcenaria, é o fato de nos pautarmos em uma responsabilidade social e ambiental. Para mim, essa duas responsabilidades são os primeiros pré-requisitos para um bom design. É impossível em 2014 fazer um bom design sem ter responsabilidade ambiental e social, mesmo que seja algo lindo mostrado no Salão de Milão, ela não vai ter qualidade se não foi produzida com responsabilidade e respeito.
Como é essa responsabilidade social no trabalho do Atelier Carlos Motta?
Eu sempre trabalhei com muitos funcionários e sempre vi a turma vindo de três conduções em São Paulo, uma vida muito cruel, com esse abismo social que tem no Brasil. Como eu já tive muita sorte de nascer em uma família que pode me oferecer muita coisa boa, pensei que se a organização é monetária eu deveria utilizar o design como uma ferramenta social para trazer essa turma comigo e dividir os lucros. Então qualquer peça que sair produzida por mim vai fazer com que todos que estão na cadeia produtiva participem do lucro comigo. Quando uma peça é vendida, ela possui tanto valor agregado que esse valor dá para ser dividido.
O que é o design pra você?
O brasileiro é muito habilidoso. Essa coisa nossa de ter que improvisar por sermos um país pobre dá ao brasileiro uma capacidade de trabalho incrível. Eu nunca vi ninguém trabalhar com a madeira como os baianos que fazem construção civil da mais alta qualidade. O brasileiro tem essa capacidade de absorver o conhecimento e manter aquilo que é trazido e promovido. Eu acho, então, que o design está muito mais envolvido com essas coisas do que com os grandes prêmios e salões de móveis internacionais.
Como é que você está vendo essa valorização que o design começou a ter inclusive no Brasil?
Eu acho que aqui no Brasil, durante muitos e muito anos, a gente tinha o costume de abrir uma revista e copiar as coisas dos outros e isso transformou nosso produto em algo sem valor agregado. A China, o México e a Indonésia já fazem isso e por bem menos que a gente. Então se eu quisesse algo da Kartell, eu compraria uma empresa chinesa por um preço bem baixo que as brasileiras. Assim, o empresário brasileiro começou a descobrir que não adianta ter um parque industrial enorme montado para a indústria moveleira pensando em exportação, já que o poder aquisitivo do brasileiro não é tão alto, com cópias. Foi aí que o mercado descobriu a identidade e o design brasileiro. Nós temos as madeiras mais bonitas e certificadas pelo selo FSC, então no lugar de deixar os estrangeiros levarem nossa matéria prima, eles começaram a levar nossos produtos manufaturados. Hoje o mundo descobriu que nós temos designers.
Designers donos de peças autorais como as suas acabam sendo copiados ao longo da carreira, como o Atelier Carlos Motta lida com a pirataria?
No começo da minha carreira eu descobri que uma peça minha havia sido plagiada, então procurei um advogado. No período em que o processo, lento e caro, corria na justiça eu acabei lendo um livro de um mestre yogi e em uma de suas passagens falava que o que a gente produz pertence à humanidade, é uma colaboração ao mundo. Nesse dia eu desisti do processo e desde então nunca mais processei nenhuma cópia do meu trabalho.
Você acha que existe o bom e o mau design?
Uma peça boa é uma peça que responde a certos pré-requisitos que eu acho que são básicos. O bom design tem a matéria prima correta, ambientalmente e tecnicamente correta. Tem que saber usar a ergonomia, com o estudo do corpo para a construção de uma peça confortável. E depois de tudo isso, essa peça deve ser longeva porque eu tenho certeza que eu, meu filho, meu pai ou meu neto vão sentar ou deitar desses móveis, então para quê fazer uma coisa efêmera? Esse conjunto de coisas acaba distinguindo o que é um bom design de um mau design.